O que o PIB diz sobre a saúde e o futuro da economia brasileira? Especialistas respondem

A economia brasileira confirmou os indícios de atividade aquecida no terceiro trimestre. Puxado pela demanda doméstica, o Produto Interno Bruto (PIB, valor de todos os produtos e serviços gerados na economia) teve expansão de 0,9% no terceiro trimestre deste ano, em comparação com o segundo, informou ontem o IBGE.

O resultado, próximo das projeções de mercado, reforçou a aposta em uma expansão em torno de 3,5% este ano. Os principais destaques foram o consumo das famílias e os investimentos.

No entanto, economistas alertam que esse ritmo de crescimento com demanda aquecida pode pressionar ainda mais a inflação, o que exigiria aumento maior dos juros pelo Banco Central para “esfriar” a atividade e, assim, segurar os preços.

A este cenário, somam-se as preocupações em torno do ajuste fiscal, já que a reação negativa do mercado ao pacote de corte de gastos levou o dólar ao patamar de R$ 6, outro fator de pressão sobre os índices de preços.

A taxa básica de juros (Selic) começou a subir em meados de setembro e, portanto, teve pouco impacto nos resultados do terceiro trimestre. Nesse período, o consumo das famílias avançou 1,5% ante o segundo trimestre (a 13ª alta seguida nessa comparação) e saltou 5,5% em relação ao período de julho a setembro do ano passado.

Nesse último tipo de comparação, já são 14 trimestres seguidos de alta, na maior sequência desde o ciclo de ampliação do poder de compra das famílias que durou mais de uma década, de 2003 até 2014, mostram os dados do IBGE.

E daqui pra frente?

Mas o que o PIB do terceiro trimestre diz sobre a saúde da economia brasileira e o que pode estar por vir? Os economistas concordam que o consumo deve continuar em alta e, com ele, o risco de inflação.

— Continuamos com vários efeitos positivos no consumo das famílias — observou ontem a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.

No ciclo mais recente, o impulso ao consumo das famílias veio de uma combinação de fatores, começando pelo mercado de trabalho forte, com a taxa de desemprego nos menores patamares desde o início da série, e o rendimento em alta.

Soma-se a isso o aumento nas transferências de renda do governo — o Bolsa Família está completando o segundo ano com valor maior do benefício mínimo, enquanto a Previdência é influenciada pelos reajustes maiores do salário mínimo. O crédito avançou 10,5% na comparação com o terceiro trimestre de 2023, sem descontar a inflação.

Calibragem difícil

O risco agora, segundo alguns economistas, é o aquecimento excessivo da economia dificultar a calibragem da política econômica daqui para a frente. Em uma economia aquecida, é mais fácil a alta do câmbio se espalhar para a inflação, lembrou Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

E se a inflação subir, tanto por causa do câmbio quanto das restrições de oferta diante da demanda aquecida, os juros poderão subir além do inicialmente esperado, para esfriar toda a economia. Muitos analistas já esperam juros mais altos até o fim do ano que vem.

— A economia continua aquecida, crescendo acima do seu potencial. Mas nossa expectativa é que, ao longo dos próximos trimestres, essa economia vá perdendo força. nossa projeção é que o quarto trimestre venha ainda com crescimento, mas com desaceleração um pouco maior, e a tendência deve se manter ao longo de 2025 — disse Natalia Cotarelli, economista do Itaú.

Para Jonathas Goulart, gerente de Estudos Econômicos da Firjan, o avanço recente da indústria de transformação não é tão sólido, pois o setor já apresenta um desequilíbrio em seu mercado de trabalho, com falta de mão de obra:

— A indústria começa a dar sinais de uma recuperação mais forte, mas podemos perceber que essa velocidade de crescimento não é sustentável já no médio prazo, porque nosso potencial de crescimento ainda é muito baixo. O impulso fiscal nos últimos anos fez com que aumentasse o consumo, mas o lado da oferta mostra sinais claros de que a indústria já está no seu limite de capacidade produtiva.

Para Silvia, do FGV Ibre, além dos sinais de aquecimento excessivo, o cenário externo mais turbulento, diante da eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, poderá levar a juros e dólar mais altos. A alta no câmbio, por exemplo, fará com que, mesmo com o crescimento forte, o Brasil caia no ranking das maiores economias do mundo. Em 2025 e 2026, o Brasil deverá ser ultrapassado pelo Canadá e ficar na décima posição, projeta o FMI.

Esse quadro poderá provocar freada maior na economia, mas, diante da reação de investidores aos desequilíbrios nas contas públicas, especialmente no câmbio, Silvia não vê espaço para o governo “empurrar com a barriga”, mantendo estímulos ao crescimento:

— É positivo o PIB (em ritmo maior de alta), mas é aquela coisa, o custo já apareceu, não veio de graça, não tem almoço grátis.

Investimento segue em alta

Pelo lado da demanda, chamaram a atentção os investimentos, que subiram 2,1% ante o segundo trimestre e saltaram 10,8% na comparação com o terceiro trimestre de 2023, numa sequência de quatro trimestres seguidos de avanços nessa base de comparação, com 10,6% de alta acumulada.

É a mais longa sequência positiva desse tipo desde 2011, segundo dados do IBGE, mas analistas alertam que as recentes instabilidades financeiras, com câmbio e juros em alta, tendem a desacelerar os investimentos ao longo de 2025.

Do segundo trimestre de 2009, quando se iniciou a recuperação da crise financeira global deflagrada em setembro de 2008, ao quarto trimestre de 2011, a FBCF subiu ininterruptamente por 11 trimestres. Do início de 2012 em diante, começou a registrar um vaivém, até afundar com a recessão iniciada em 2014.

Na saída da crise mais recente, provocada pela Covid-19, os investimentos sofreram menos do que se esperava inicialmente, lembrou Leonardo Carvalho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 2020, a FBCF recuou 1,7%, menos do que a queda de 3,3% do PIB. Depois, em 2021, os investimentos saltaram 12,9%.

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Para Carvalho, o mau desempenho de 2022 e 2023 foi marcado por turbulências políticas, associadas às eleições, no primeiro ano, e à transição para o terceiro governo Lula. Em 2024, o cenário se acalmou um pouco e as empresas passaram a investir para atender à crescente demanda interna, especialmente o consumo das famílias, que pegou tração de 2022 em diante.

— Primeiro, temos uma base de comparação que facilita o crescimento para este ano, mas, mesmo assim, temos visto um desempenho formidável dos investimentos. Mais em máquinas e equipamentos do que construção. Construção é mais moroso, mais pesado, tem maturação longa e é menos volátil — explicou Carvalho, responsável pelo Indicador Ipea Mensal de FBCF.

Na visão de Thiago de Moraes Moreira, professor de economia do Ibmec, os investimentos reagiram à demanda aquecida pelo consumo das famílias. Como a renda tem sido beneficiada, em parte, por transferências dos programas sociais do governo, é a demostração do impulso que os gastos públicos dão na economia:

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— O gasto público está alavancando os investimentos privados. Há a ideia de que aumentar o gasto público não ajuda a economia a crescer, mas a demanda privada está respondendo bem à situação.

Segundo o IBGE, todos os componentes dos investimentos — os bens de capital, a construção civil e a pesquisa e desenvolvimento — registraram alta no segundo trimestre. Nas contas do indicador do Ipea, os bens de capital sobem mais (14,5% de alta no acumulado do ano até setembro) do que a construção (4,2%, na mesma base de comparação).

A dúvida, agora, é se o desempenho pujante se manterá. Assim como no caso da demanda via consumo das famílias, há dúvidas sobre a sustentabilidade do avanço dos investimentos.

Risco fiscal no horizonte

O Monitor do PIB, indicador da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostrou crescimento expressivo da importação tanto de bens de capital, para os investimentos, quanto de bens intermediários, para a produção, disse Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre):

— Não vejo desequilíbrios a ponto de abortar o crescimento. Com o crescimento do consumo, o investimento continua subindo.

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Por outro lado, é de se esperar que o ciclo de elevação dos juros, iniciado em setembro, comece a surtir o efeito de esfriar o consumo e os investimentos. “A retomada do ciclo de aperto monetário por parte do BC e a significativa deterioração do risco fiscal brasileiro são fatores de risco relevantes que podem impactar a dinâmica dos investimentos nos próximos trimestres”, alerta relatório divulgado ontem pelos economistas da corretora Genial Investimentos, liderada pelo economista José Márcio Camargo.

O presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, citou o investimento como destaque do PIB, mas observou que, com o ciclo de aperto monetário, repetir esse ritmo fica mais difícil no próximo ano, já que haverá um processo de desaceleração da economia.

— Mas o número de investimento que o país tem contratado é tão grande, só no estado de São Paulo há R$ 280 bilhões na carteira de investimentos a ser realizada, que vai puxar o PIB — afirmou em almoço com jornalistas ontem.

O IBGE e economistas ressaltaram que o efeito do ciclo de aperto dos juros foi praticamente nulo no terceiro trimestre, já que a primeira alta da Selic ocorreu em 18 de setembro, bem no fim do período. A política de juros leva mesmo tempo para surtir efeito, o que deverá ocorrer, principalmente, ao longo de 2025.

Mais renda vira mais consumo

Pelo lado da oferta, o crescimento de 0,9% do setor de serviços, que responde por cerca de 70% do total da economia, ditou o ritmo. Segundo o IBGE, os resultados foram positivos em todas as atividades do setor.

Também chamou a atenção o bom desempenho da indústria de transformação, que engloba todo tipo de fabricação de bens, com avanço de 1,3% ante o segundo trimestre, a terceira alta consecutiva. A exceção foi a agropecuária, com queda de 0,9%, já esperada por causa dos efeitos da seca sobre a produção.

Esse dinamismo realimenta o consumo. Quem está ganhando mais com o trabalho passa a poder gastar mais. Foi o que aconteceu com a produtora e publicitária Júlia Taveira, de 21 anos, que mora em Itu (SP).

Há um ano e seis meses, ela trocou o emprego de carteira assinada pelo próprio negócio, em sociedade com uma amiga. Elas trabalham com social media: cuidam da comunicação, nas redes sociais, de artistas, restaurantes, lojas de roupas, entre outros, e produzem eventos.

— Saí de um salário de R$ 2 mil por mês para uma renda que varia de R$ 3 mil a R$ 6 mil, dependendo da cartela de clientes e das campanhas ou shows que produzimos. Isso me permitiu gastar com roupas, sapatos, restaurantes e viagens pelo Brasil, coisas que não fazia antes. Juntei o suficiente para quitar meu carro e ajudar meus pais em despesas extras — contou Júlia.

*Estagiário sob supervisão de Danielle Nogueira

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