País vai terminar o ano com juros de dois dígitos em alta: o que isso diz sobre a economia em 2025?

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) fez ontem a sua última reunião do ano, também a última com o presidente Roberto Campos Neto à frente do colegiado. Os diretores do BC que integram o Copom entregaram o “choque de juros” esperado pelo mercado financeiro em meio à disparada do dólar e das expectativas de inflação.

A taxa básica de juros, a Selic, subiu 1 ponto percentual, de 11,25% para 12,25% ao ano, num movimento pouco usual para a autoridade monetária brasileira. E tem mais: prometeu um aumento da mesma magnitude nas próximas duas reuniões. A decisão foi unânime e aponta algumas condições do cenário econômico do país em 2025.

Os juros terminam no ano no Brasil ainda em dois dígitos e em um patamar bem mais alto que o cogitado pelos principais analistas de mercado no início de 2024, quando houve quem projetasse Selic em um dígito neste dezembro. Isso significa que o forte crescimento da economia neste ano terá mais chance de desacelerar no ano que vem com juros em patamar mais alto a desestimular investimentos produtivos e consumo. A preocupação do BC também indica que a inflação está em um viés de alta.

Se o BC cumprir a promessa do Copom, Gabriel Galípolo vai assumir a presidência do Banco Central com a missão de elevar a Selic para 14,25% em março, alcançando o mesmo patamar do pico dos juros no governo de Dilma Rousseff. E pode até ir além, dizem os analistas ao avaliar o que essa alta dos juros diz sobre a economia do Brasil em 2025.

A avaliação é de que o BC quis sinalizar compromisso com a redução da inflação e que quer ajudar a deter a desvalorização do real frente ao dólar e reduzir a inclinação da curva de juros acalmando o mercado financeiro.

O BC afirmou que, com o cenário mais adverso para a convergência da inflação, espera ajustes de ritmo idêntico para duas reuniões à frente. A magnitude total do ciclo de aperto será ditada pelo “firme compromisso de convergência da inflação” e que o cenário exige uma política monetária “ainda mais” contracionista, disse o Copom.

— É um guidance (previsão de próximos passos) bastante firme — afirmou Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco. — O mercado tende a ver um alívio de câmbio e possivelmente da parte longa da curva (de juros). Deve haver uma melhora de prêmio de risco generalizada.

O patamar atual da Selic é o maior em um ano, mas na passagem de 2023 para 2024 a taxa básica de juros estava em trajetória de queda, passando de 12,25% para 11,75%. Agora, a nova virada se dará aos12,25% ao ano.

Em relatório, o diretor do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos, classificou a decisão do BC de “ousada”. “A orientação futura agora é muito explícita e mais agressiva do que as expectativas do mercado”, afirmou.

À agência Bloomberg, ele afirmou que a decisão tem impacto necessário:

— Dada a deterioração aguda da perspectiva para a inflação, uma resposta de política monetária decisiva era necessária, e o Copom a entregou.

Olga Yangol, responsável por pesquisa e estratégia de mercados emergentes no Crédit Agricole, vai na mesma linha. Ela diz que a instituição revisou de 14% para 14,25% a sua previsão para a Selic no fim do primeiro trimestre de 2025:

— Isto será bem recebido e espero que o real se recupere e que a curva de juros doméstica se achate. Estamos com overweight no real e na nossa carteira de moedas emergentes.

Victoria Jorge, economista para Brasil do Opportunity, destacou que o comunicado desenhou um cenário mais adverso para a inflação no horizonte relevante para a política monetária, que passou de 3,6% para 4,0%:

— Para os ativos, a decisão deverá beneficiar o real e a curva de juros deverá desinclinar.

BC quer mostrar ‘disposição’, diz analista

A partir de janeiro, haverá uma mudança significativa no Copom. Galípolo assume a presidência do BC, e o governo Lula terá maioria no colegiado.

Para o economista-chefe do Banco Daycoval, Rafael Cardoso, o BC foi mais duro que o esperado e sinalizou que prefere fazer um ajuste mais rápido na taxa de juros.

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Nas suas contas, porém, para entregar a inflação na meta de 3,0% em 2026, o Copom terá de ir além de 14,25% ao ano e entregar uma alta final de 0,50 ponto em maio, para 14,75%. Neste caso, seria o maior nível dos juros básicos desde agosto de 2006.

— Para alcançar a meta em 2026, o BC precisaria de uma alta residual no segundo trimestre de 2025. Portanto, mais do que contratar 14,25%, a Selic deve se aproximar dos 15%, com mais uma alta de 0,50 pp em maio — diz Cardoso.

Apesar de o BC mostrar “disposição grande” em fazer seu trabalho para controlar a inflação, sua postura mais dura deve ajudar a estancar a deterioração das expectativas de inflação, que estão muito afastadas da meta de 3% até 2027, avalia Cardoso. Porém, ele diz que isso não deve “resolver” o problema (conter a inflação), considerando o risco fiscal.

‘Dominância fiscal é um risco’

Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, também avalia ser difícil o BC encerrar o ciclo de aperto dos juros em um ritmo forte de 1 ponto. Por isso, diz ser provável que a Selic supere 14,25%. Segundo a economista, a sinalização de mais duas altas de 1 ponto confere credibilidade ao BC na busca pela meta de 3,0% e traz um “refresco” para o mercado.

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Mas o comportamento do dólar e das expectativas de inflação dependem da evolução da discussão fiscal, agora à espera de uma conclusão no Congresso. De qualquer forma, a economista avalia que ao chamar a responsabilidade para si, o BC afasta um cenário de dominância fiscal, quando o aperto dos juros perde efeito para controlar a inflação diante de uma dívida pública muito elevada.

—Tem muita gente discutindo dominância fiscal, não é o cenário base, mas é um risco. Com essa sinalização, o BC chama a responsabilidade para si e afasta esse risco, que significaria a perda de credibilidade do BC.

Alta de 1 pp não é comum

Levantamento do Bradesco mostra que a elevação de 1 ponto é bastante incomum na história do Copom. Nos últimos 20 anos, representaram apenas 7% das decisões de aperto da taxa (ou quatro de 51 reuniões), todas durante a pandemia de Covid-19.

Mas, para a maioria dos economistas, não havia como fugir de um aumento de velocidade no aperto dos juros diante da deterioração significativa do cenário inflacionário desde a última reunião do Copom, em novembro.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a decisão do BC foi surpresa “por um lado”, mas já havia projeções de mercado que apontavam alta de 1 ponto:

— Foi (surpresa), por um lado. Mas, por outro lado, tinha uma precificação (dos agentes de mercado) nesse sentido. Vou ler com calma, analisar o comunicado, falar com algumas pessoas depois do período de silêncio.

A decisão do Copom de elevar a taxa Selic surpreendeu não pelo aumento de 1 ponto percentual, já amplamente esperado pelo mercado, mas pela comunicação, considerou Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, em entrevista ao blog da colunista do GLOBO Míriam Leitão.

O Banco Central sinalizou a possibilidade de mais duas altas de 1 ponto percentual nas próximas reuniões (janeiro e março), refletindo preocupações com a deterioração das expectativas de inflação, a resistência da inflação no setor de serviços e as pressões cambiais.

— É um choque monetário. São 300 pontos-base potenciais, ou 3 pontos, mostrando uma convicção clara do Banco Central em tentar perseguir, se não o centro da meta, pelo menos o teto de 4,5% —avaliou Padovani.

Para ele, o que realmente comandou esta reunião, foi a piora sensível do câmbio, o que projeta uma piora sensível também tanto da inflação corrente quanto das expectativas.

Veja os cinco principais recados do comunicado do Copom

Tudo ou nada

O primeiro recado é direto. Já estão contratados mais 2 pontos percentuais de alta da Selic. Ou seja, a taxa irá pelo menos até 14,25%. Ou mais. Esse é o piso no momento. Desde o início do ciclo de alta, em setembro, o BC mantinha em aberto suas decisões futuras, diante de um cenário de incerteza.

Desta vez, foi enfático: “o cenário se mostra menos incerto e mais adverso do que na reunião anterior.” E ressaltou o maior risco de uma deterioração adicional do cenário de inflação.

Impacto fiscal

O BC também afirmou que os efeitos do anúncio do pacote fiscal pelo governo federal no câmbio e nas expectativas inflação “contribuem para uma dinâmica inflacionária mais adversa”. Em novembro, o Copom já havia listado como risco para o aumento da inflação o efeito de “políticas econômicas externa e interna”, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada, além de alertar sobre a necessidade de apresentar medidas fiscais estruturais.

Nova surpresa

O Copom destacou o crescimento de 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre. Para o comitê, com o resultado, houve abertura adicional do hiato do produto. Ou seja, a atividade está operando em um nível ainda mais alto do que sua estrutura produtiva suporta, o que impacta a inflação.

Disparada da inflação

Assim como as expectativas de inflação, as projeções oficiais do BC para o IPCA saltaram em relação a novembro. Para 2025, a projeção subiu de 3,9% para 4,5%, no limite superior da meta. No horizonte relevante da política monetária, o segundo trimestre de 2026, passou de 3,6% para 4%.

“O cenário mais recente é marcado por desancoragem adicional das expectativas de inflação, elevação das projeções de inflação, dinamismo acima do esperado na atividade e maior abertura do hiato do produto, o que exige uma política monetária ainda mais contracionista.”

Efeito Trump

No cenário externo, o Copom retirou do comunicado a palavra “incerta” para se referir à conjuntura econômica dos Estados Unidos. Com a vitória de Donald Trump, o BC agora avalia que há “maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed (o banco central americano).”

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