Piora nas contas do governo afasta investidores do Brasil; ações são mais afetadas

A deterioração das condições econômicas no Brasil – com rombo nas contas públicas, inflação distante da meta de 3% e a perspectiva de elevação da taxa Selic nos próximos meses – tem afetado os preços dos ativos brasileiros, especialmente as ações.

A volatilidade no mercado está em alta e diversas gestoras estão revisando seus planos para o país. “Há um cenário de maior aversão ao risco”, comenta Rafael Siqueira, sócio e gestor da L2 Capital Partners.

As ações têm enfrentado uma montanha-russa neste ano. Depois de fechar 2023 em 134.185 pontos, o Ibovespa (principal termômetro dos negócios da B3) passou todo primeiro semestre oscilando abaixo disso, chegando bater em 119.137 em 17 de junho, na mínima do ano. Depois os preços se recuperaram e, em 28 de agosto, a Bolsa atingiu o recorde histórico de 137.343 pontos. Porém, voltou a cair em seguida. Nesta segunda-feira (14), o Ibovespa fechou a sessão em 131.005 pontos.

Um dos principais indicadores da baixa confiança nos ativos brasileiros é a saída de dólares pela conta financeira, que somou US$ 52,4 bilhões nos primeiros nove meses de 2024, a segunda maior retirada da história. Economistas preveem que este ano tem grandes chances de ser o pior da história recente, superando até 2020, quando a pandemia da Covid-19 afetou gravemente a economia global.

Atualmente, os maiores beneficiados são os investimentos em renda fixa, como os títulos do Tesouro Nacional. Os juros reais das Notas do Tesouro Nacional (NTN-B), papéis atrelados à inflação, estão se aproximando da “barreira psicológica” dos 7%.

As operações no Tesouro Direto, voltadas para pessoas físicas, bateram recorde em julho, com 869 mil transações e uma captação líquida de R$ 1,01 bilhão.

Siqueira afirma que a renda fixa se tornou muito mais atrativa do que os ativos de maior risco, como as ações. Os maiores problemas se concentram em papéis ligados a setores mais sensíveis às variações nas taxas de juros.

Gestoras desistem de ações brasileiras e veem inflação mais alta

Uma das gestoras que alterou sua estratégia em relação ao Brasil foi a Verde Asset, liderada por Luís Stuhlberger, gestor reconhecido. O fundo Verde FIC FIM, um dos mais tradicionais do país, praticamente zerou suas posições em ações brasileiras. Na renda fixa, prefere papéis de longo prazo atrelados à inflação.

“Setembro começou com grandes expectativas que não se concretizaram. Observamos que o mercado apostou excessivamente na bolsa brasileira, esperando que cortes nos juros americanos trouxessem fluxos de investimento para o país, o que não aconteceu”, destaca um relatório do fundo Verde AM Ações FIC FIA.

De acordo com os gestores do fundo, o aumento dos juros e as incertezas fiscais no Brasil têm prejudicado o desempenho da bolsa. “Não prevemos mudanças nesse cenário”, conclui o relatório.

A XP Asset Management também projeta um cenário mais difícil para ativos de risco, diante da tendência de elevação dos juros nos próximos meses e da persistente incerteza fiscal.

A instituição destaca que desde o início de agosto mantém posições que buscam tirar proveito do cenário em que o Banco Central precisará agir com firmeza para reancorar as expectativas da inflação, mesmo diante de um ambiente fiscal desafiador.

A gestora de ativos aponta que continua posicionada em juros nominais e reais de curto prazo, além de vendida em inflação implícita intermediária e na bolsa brasileira. “Também mantínhamos uma posição comprada em real, mas a liquidamos no final do mês devido às incertezas internas e externas.”

Um relatório de um fundo de ações da XP aponta que o tom mais rígido do último comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) e a percepção de que a alta de juros no Brasil será mais longa que o esperado contribuíram para o descolamento da bolsa brasileira em relação ao exterior.

Problemas fiscais não anulam potencial brasileiro

Eduardo Grüber, gestor da AMW, ligada à Warren Investimentos, aponta que o principal impacto sobre os ativos brasileiros vem da crescente preocupação com as contas públicas. O endividamento do setor público aumentou por 14 meses consecutivos e atingiu 78,5% do PIB em agosto, mesmo com o PIB surpreendendo as expectativas.

“A situação fiscal afeta não só os ativos financeiros, mas também diretamente os agentes econômicos. Com juros mais altos, as empresas são obrigadas a frear investimentos e a criação de empregos”, explica Grüber.

Ele destaca que qualquer sinal de melhoria na economia local pode ajudar a atrair investimentos para o país. “Há espaço para crescimento. Poucos países têm o tamanho e o mercado financeiro que o Brasil possui”, afirma.

Além disso, outros países concorrentes na disputa por fluxos de capital enfrentam seus próprios desafios internos. O México, por exemplo, vive um imbróglio institucional após a aprovação de eleições para membros do Judiciário. A Rússia permanece isolada do mercado financeiro devido à guerra na Ucrânia, e a Turquia deve encerrar o ano com uma das maiores inflações globais, projetada pelo FMI em abril como a sexta maior do mundo.

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