Turbulência: fatores externos e internos fazem dólar disparar a R$ 5,73

Um dia após as reuniões dos comitês de política monetária dos bancos centrais do Brasil, o Copom, e dos Estados Unidos, o Fomc, os mercados ficaram bem mais tensos, ontem. especialmente por conta da piora do cenário externo, devido ao acirramento das tensões no Oriente Médio, e o dólar disparou e as bolsas operaram no vermelho.

O dólar seguiu em alta frente ao real e renovou o patamar acima de R$ 5,70 — maior valor de fechamento desde dezembro de 2021 — refletindo o desempenho mais forte da moeda norte-americana ante outras divisas no exterior. O aumento da aversão dos investidores aos ativos de maior risco por conta dos temores de uma recessão nos Estados Unidos e do agravamento da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, após protestos e promessas de vingança no enterro de Ismail Haniyeh, líder do Hamas, ontem, no Irã. Haniyeh foi morto junto com cerca de 90 pessoas em ataque aéreo de Israel, na quarta-feira (31), em Teerã, onde participou da posse do novo presidente iraniano, Masoud Pezeshki, na véspera.

“Os riscos externos e internos estão se acumulando. Neste momento, a preocupação maior é com a escalada no Oriente Médio e a possibilidade de recessão nos Estados Unidos, que cada vez mais fica provável”, explicou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Segundo ele, o câmbio deverá ficar muito pressionado neste segundo semestre, “o que demandaria um esforço fiscal ainda maior por parte do governo para compensar os riscos criados pela situação externa”.

Apesar de o presidente do Fed, Jerome Powell, abrir a porta para corte de juros em setembro, os investidores também ficaram preocupados com dados de atividade nos EUA indicando retração da economia no país. O índice de gerente de compras (PMI, na sigla em inglês), medido pelo ISM, recuou em julho e manteve-se abaixo da linha de 50 pontos, o que significa contração, abaixo das expectativas do mercado. Além disso, os números de pedidos semanais de auxílio-desemprego subiram acima das expectativas do mercado.

Câmbio

A divisa norte-americana fechou o pregão de ontem com alta de 1,41%, para R$ 5,735 para a venda. O real apresentou uma das maiores perdas entre as principais moedas, seguido por um de seus pares, o peso chileno. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) acompanhou as bolsas norte-americanas, que desabaram ontem. Encerrou o dia com queda de 0,2%, a 127.395 pontos, enquanto o Índice Dow Jones e a Nasdaq, bolsa das empresas de tecnologia, recuaram 1,21% e 2,3%, respectivamente.

As ações da Embraer, que no dia anterior foram das mais negociadas entre os papeis listados na B3, desta vez, apresentaram a segunda pior queda diária, ontem, de 4,09%. Os papeis da Petrobras e da Vale também puxaram a B3 para baixo, com quedas de 1,52% e 2,24%, respectivamente.

Com a piora do quadro externo, a repercussão do comunicado do Copom ficou em segundo plano no mercado, mas entidades empresariais não pouparam críticas ao atual patamar de juros.

As taxas dos títulos norte-americanos recuaram, acompanhando as bolsas e o petróleo também registrou queda com o aumento do receio de enfraquecimento da demanda, antecipando o possível conflito entre Israel e Irã, de acordo com os analistas. “O dólar segue valorizado em função da piora do quadro fiscal, mas o clima no mundo está um pouco mais complicado por conta da questão geopolítica entre Israel e o Hamas.

Por outro lado, o Banco Central da Inglaterra cortou os juros, ontem, e, com isso, a libra enfraqueceu e o dólar ficou mais forte frente às moedas em geral, inclusive, o real”, explicou o economista João Luiz Mascolo, sócio da SM Managed Futures e professor e Economia da Faculdade Albert Einstein.

Pelos cálculos de Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, se o dólar ficar acima de R$ 5,50 nos próximos 12 meses, o Banco Central não conseguirá entregar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a média da inflação oficial, deste ano no teto da meta, de 4,50% neste ano e no ano que vem. “Se permanecer acima dessa média, em torno do patamar de R$ 5,70 será impossível cumprir a meta”, frisou. Por enquanto, ele prevê que IPCA encerre o ano com alta de 4,38%, passando para 4,30%, em 2025.

Conforme dados da MoneYou, com a Selic mantida no patamar de 10,50% ao ano, o Brasil caiu da 2ª para a 3ª colocação no ranking mundial de juros reais (descontada a inflação), com taxa anual de 7,36%, considerando a inflação ex-ante, ou seja, a variação do IPCA para os próximos 12 meses, de 3,67%. Com isso, o juro real do Brasil ficou abaixo apenas das taxas de juro real da Turquia (de 12,13%) e da Rússia (de 7,55%). A média dos 40 países pesquisados no ranking foi de 0,63%.

O economista-chefe da MoneYou, Jason Vieira, destacou em seu relatório que a probabilidade de manutenção da Selic era de 85% e, principalmente devido ao aumento do desequilíbrio das contas públicas. “A insistência arrecadatória do governo e nenhuma sinalização de controle de gastos, o que se une com a série mais recente de indicadores inflacionários, especialmente eventos climáticos como La Niña e a tragédia no Rio Grande do Sul, deram um peso maior da inflação de alimentos, que pode ter dificuldade de se dissipar, além da pressão do câmbio sobre a inflação”, disse Vieira.

De acordo com Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, a alta do dólar também refletiu o fato de que uma parte do mercado esperava um sinal de possível alta na Selic, e, como isso não veio no comunicado do Copom, agora, os vencimentos mais curtos da curva de juros estão caindo. “Isso tira um pouco a força do real”, destacou.

Outro fator que empurrou para a nova desvalorização do real frente ao dólar, que já acumula queda de 18%, segundo Cruz, foi o aumento do juro do Japão, que ficou positivo pela primeira vez em oito anos, passando para 0,25% ao ano.

Na avaliação do CEO da Smart House Investments, André Colares, uma série de fatores foram responsáveis pela “tempestade perfeita” que fez o dólar disparar nesta semana. “A próxima mudança no Banco Central, o descontrole fiscal, o risco do conflito entre Israel e Palestina de alastrar no oriente médio após a morte do líder terrorista fizeram a moeda americana se valorizar sobre diversos países emergentes”, disse o especialista.

“A instabilidade internacional tem contaminado por aqui um pouco do apetite comprador. Inclusive temos presenciado uma forte alta do dólar por conta da instabilidade lá fora, o que pode em breve impulsionar ainda mais a inflação local, forçando logo a frente um posicionamento mais economicamente restritivo por parte do Copom, o que tende a prejudicar a Bolsa local”, destacou o analista da Ouro Preto Investimento, Sidney Lima. Segundo ele, o mercado interno não reagiu a ponto de precificar alguma novidade após o comunicado do Copom, visto que já havia uma unanimidade entre o Comitê pela manutenção da taxa.

Setor Produtivo

Apesar de esperada pelo mercado, a manutenção da taxa básica da economia (Selic) em 10,50% ao ano causou repercussão negativa para o setor produtivo. Logo após o anúncio, diversas entidades que representam a atividade econômica nacional se manifestaram insatisfeitas com o cenário atual dos juros. A análise destes setores leva em consideração a taxa real no país, que é uma das maiores do mundo.

Um cálculo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que, caso a autoridade monetária promovesse uma redução de 0,25 ponto percentual ponto percentual no patamar atual da Selic, a taxa de juros real (descontada a inflação) ainda seria de 6,2% ao ano. Isso representa uma diferença de 1,5 ponto percentual acima da taxa neutra, estimada em 4,75% pelo Banco Central. Em um cenário de juros reais neutros, não há estímulo nem desestímulo à atividade econômica.

Na visão da CNI, há uma “preocupação” com a decisão do BC. A entidade argumenta que a situação explica uma boa parte do alto custo do crédito, que pode implicar em restrições mais fortes à atividade econômica brasileira. “Esperamos que a Selic volte a ser reduzida o quanto antes. A retomada de cortes é fundamental para a redução do custo financeiro suportado pelas empresas, que se acumula ao longo das cadeias produtivas, e pelos consumidores”, afirmou o presidente da CNI, Ricardo Alban.

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) considerou a manutenção prejudicial ao setor produtivo, “uma vez que encarece os juros para essas atividades”. Apesar disso, a entidade reconhece que, devido a um quadro de deterioração fiscal, a medida seria importante para a “estabilização do cenário macroeconômico”. “A CNC espera que, a seguir, a autoridade monetária mantenha uma postura mais dura, inclusive em relação ao cumprimento das metas de inflação”, complementa, em nota, a entidade.

O presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Décio Lima, também criticou a decisão unânime do Copom e afirmou que a manutenção da taxa de juros prejudica a economia dos pequenos negócios. “A manutenção da Selic nessas bases prejudica não só o governo, que tenta recuperar a economia. Ao manter elevados os juros da dívida pública, o BC atinge também os consumidores e as empresas, principalmente os micro e pequenos negócios, porque o crédito fica mais caro”, afirmou ele, em nota.

Para Lima, os todos os índices econômicos estão positivos e o país “está no rumo certo”. “A inflação está controlada, a renda aumentou e a qualidade de vida melhorou, mas os juros continuam altos”, acrescentou.

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