O início do mercado regulado de apostas (bets) e jogos on-line marca também uma fiscalização maior do Ministério da Fazenda sobre apostadores e empresas. As regras passaram a valer no dia 1º e a pasta responsável por monitorar a categoria no Brasil já começou a receber os dados dos apostadores. Nos próximos dias, o órgão também deve começar a receber o fluxo financeiro das casas de apostas e dos jogadores.
Com o controle das operações financeiras, a Fazenda irá monitorar as transações em busca de identificação de atividades suspeitas. A regulamentação do chamado “jogo responsável” também determina que as bets cruzem os dados de apostas com a renda dos jogadores de modo a evitar o superendividamento e o vício, além de outros problemas sociais.
Para tal, as bets precisam dar possibilidade de adoção de limites de aposta por tempo transcorrido, perda financeira, valor depositado ou quantidade de apostas e criar alertas e bloqueios temporários de contas.
As informações das bets serão repassadas em fluxo contínuo ao governo por meio do Sistema de Gestão de Apostas (Sigap). Dado o volume de dados, contudo, neste início, a transferência está ocorrendo de forma escalonada.
— A gente começou a receber as bases de dados dos apostadores cadastrados. A partir disso, nos próximos dias, a gente começa a receber as movimentações financeiras associadas a cada um desses apostadores — disse ao GLOBO o secretário Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Régis Dudena.
A migração dos apostadores para o mercado regulado não é automática, depende da autorização do jogador, que tem de fazer novo cadastro na plataforma, contendo reconhecimento facial e uma conta corrente para as movimentações financeiras.
Os apostadores que não quiserem participar poderão retirar seus recursos nos sites antigos. Todas as casas de apostas autorizadas estão domiciliadas no país e só podem atuar agora com o domínio bet.br.
— Até o meio do mês, é possível que a gente já saiba mais ou menos quantos apostadores nós temos, quanto eles têm apostado diariamente, quanto eles têm depositado diariamente, quanto eles têm de ganho e quanto eles têm de perda — estimou Dudena.
Lista inicial
Ao todo, a Fazenda já concedeu autorização definitiva para 14 empresas. Cada autorização pode conter até o limite de três marcas, sendo necessária nova outorga para operar outro conjunto de até três marcas. Outras 52 empresas obtiveram autorizações em caráter provisório.
Essas autorizações temporárias foram concedidas a empresas que já atenderam aos requisitos, incluindo o pagamento da outorga de R$ 30 milhões, mas têm pendências que podem ser corrigidas, como documentos relacionados à certificação do sistema. As empresas com autorizações provisórias têm um prazo de 30 dias, prorrogável por mais 30, para entregar os certificados técnicos obrigatórios.
As empresas desta lista inicial são as que compõem o grupo das que apresentaram seus pedidos até 20 de agosto de 2024. As solicitações feitas após essa data permanecem em análise e devem ser processadas em até 150 dias a partir da entrega da documentação inicial.
— Não só não identificamos nada sobre o passado, como ela não pode escorregar em nenhum momento no futuro. Qualquer desvio pode ser alvo de processo sancionador, que pode levar, inclusive, à cassação da autorização — avisou Dudena.
Para as empresas que pediram autorização e não cumpriram os requisitos, houve o indeferimento, contra o qual cabe recurso administrativo.
As casas de aposta que estiverem fora da lista da Fazenda não poderão atuar em âmbito nacional. Os estados podem credenciar bets com funcionamento limitado aos seus territórios, inclusive no que tange à publicidade ou patrocínio.
Combate a irregularidades
Desde outubro, o Ministério da Fazenda, com a ajuda da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), vem derrubando os sites considerados ilegais para atuar na fase de transição, que durou até o fim do ano passado. Essa ação vai continuar, mas o secretário afirma que isso não é suficiente.
Para evitar a operação de empresas sem autorização, Dudena afirma que um passo importante será o “estrangulamento financeiro” das companhias. A lei que regulamenta o mercado de apostas de quota fixa proíbe que as instituições financeiras e de pagamento deem curso às transferências de bets não autorizadas.
Há conversas com as associações do setor financeiro para ajudar as instituições a montarem uma metodologia para identificar as empresas. Os bancos e as demais instituições autorizadas pelo Banco Central já são obrigadas a “conhecer os seus clientes” e têm mecanismos para isso.
Além disso, as movimentações financeiras das bets têm padrão específico. Normalmente, são contas de empresas que recebem valores pulverizados de vários CPFs, em que parte é devolvida e o restante vai para um banco de câmbio, para ser remetido ao exterior, já que muitas operam em paraísos fiscais.
— O site vai ser derrubado toda hora. As instituições financeiras que dão curso ao seu dinheiro vão começar a impor restrições. Quando ela conseguir centralizar e mandar para um banco de câmbio, se a gente conseguir barrar o Pix, também o dinheiro não chega. Aí começa a ser muito caro continuar operando.
Outra forma de cercar as bets ilegais é via redes sociais. Em parceria com uma das organizações do setor, a secretaria compartilhou a lista das empresas autorizadas de modo a impedir publicidade das casas de aposta ilegal.
Mas também está sendo pensado um mecanismo para que as próprias empresas de mídia consigam monitorar as bets, o que deve valer para publicidade em meio físico também.
Dudena ainda lembra que, a partir da existência de um mercado regulado, fica menos atrativo para os jogadores apostarem em plataformas ilegais, uma vez que não há garantia de que o sistema é responsável ou se será pago o prêmio
Relatório
Com os dados das bets em mãos, a secretaria pretende divulgar um relatório com as principais características do mercado de bets ainda este ano. Até o momento, há apenas estimativas sobre o número de jogadores e os valores movimentados, como a nota técnica publicada pelo Banco Central no ano passado, que foi bastante contestada.
No estudo, o BC estimou que as transferências brutas de brasileiros via Pix para casas de aposta giraram em torno de R$ 20 bilhões mensais entre janeiro e agosto de 2024.
A publicação da Fazenda, porém, deve demorar pelo menos um semestre. Primeiramente, no início do ano, o calendário esportivo, foco das bets, é fraco. Além disso, o secretário explicou que é necessário processar as informações para ter maior segurança para divulgação.
— No caso dos jogos online, eles já estão ativos, então já vai ter uma clareza um pouco maior, mas para a gente entender de fato o dimensionamento do mercado, em número de apostadores e em volumes financeiros, a gente vai precisar de alguns meses — disse.
Segundo Dudena, novas medidas regulatórias também serão avaliadas a depender da análise do sucesso ou não das primeiras regras, especialmente no combate ao superendividamento e ao vício no jogo. Além da obrigação de cadastro com reconhecimento facial, são proibidas apostas pagas com cartão de crédito, bônus de entradas e jogos de crianças e adolescentes, por exemplo.