Estado eficiente: Gastos com emendas parlamentares disparam, mas fiscalização falha

As emendas parlamentares triplicaram de valor nos últimos anos: saltaram de R$ 15,35 bilhões em 2015, para R$ 45,6 bilhões em 2020, já corrigidas pela inflação. Depois de três anos de queda, o Congresso agora tenta aumentar esse valor para R$ 46 bilhões em 2024, o que seria um número recorde e equivalente a quase 20% de tudo que o Executivo pode gastar livremente e a 75% do que o governo federal espera investir no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Os números mostram o fortalecimento do Legislativo, que também conseguiu fazer com que vários tipos de emendas se tornassem “impositivas”, ou seja, com execução obrigatória. Isso deu poder a deputados e senadores e também aumentou o engessamento do Orçamento, dificultando a execução de políticas públicas.

Para o ano que vem, o Congresso ainda tenta criar um calendário de pagamento de emendas — assim, os parlamentares serão praticamente donos do dinheiro, definindo onde, como e quando os recursos serão aplicados.

O economista Alexandre Manoel — que passou pela prefeitura de Maceió, pelo Ministério da Fazenda, foi pesquisador do Ipea e hoje atua no mercado financeiro — afirma que é preciso aumentar as medidas de controle. Já a cientista política Beatriz Rey, pesquisadora do tema, diz que as emendas precisam estar inseridas dentro de um plano estratégico de investimentos. Nada disso acontece de forma eficiente no Brasil, segundo eles.

O auge da polêmica em torno das emendas aconteceu com o chamado “orçamento secreto”, recursos distribuídos pela cúpula do Congresso sem critérios objetivos nem trasparência. De 2020 a 2022, R$ 45 bilhões foram direcionados para esse tipo de emenda.

O país ficava sem saber quem fazia o pedido e quais eram as bases dessa “negociação”. A prática, no entanto, foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim de 2022.

O equilíbrio de forças entre o Executivo e o Legislativo com relação ao Orçamento começou a mudar em 2015, ano em que a ex-presidente Dilma Rousseff já começava a balançar no cargo, em meio a uma grave crise econômica.

Com a aprovação de uma mudança na Constituição, as emendas individuais passaram a ter execução obrigatória. Antes, os parlamentares apenas sugeriam as dotações, cuja execução ficava a critério do governo.

Em 2019, também se aproveitando da falta de articulação política do ex-presidente Jair Bolsonaro, que ganhou as eleições condenando o que chamava de “toma lá dá cá”, o Congresso aprovou outra medida que tornava obrigatórias as emendas de bancada estadual.

Se as emendas têm o poder de aproximar deputados e senadores das suas bases eleitorais — já que eles direcionam recursos para suas cidades e estados —, por outro lado esse processo acontece na maior parte das vezes sem planejamento e fiscalização. Os investimentos acabam se pulverizando, e o país não tem órgãos de controle para medir os efeitos desses gastos, na visão de especialistas.

Maior conexão com políticas públicas

As emendas são um mecanismo importante da representação democrática, são o elo que liga o parlamentar ao cidadão. Mas isso dentro de um contexto em que essas ferramentas seguem o processo legal, de forma transparente, e com a possibilidade de se melhorar e aprimorar a forma como elas são executadas e fiscalizadas. Não é o que vemos no Brasil.

Trabalhei como assistente legislativa na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e, nessa função, percorri todo o processo de liberação e execução de emendas por lá. No final, tínhamos a obrigação de ver na base parlamentar como esse dinheiro era aplicado e prestar contas.

O problema não é o montante de recursos, mas a falta de planejamento, monitoramento da execução e fiscalização

Os relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) no Brasil são poucos e não são frequentes sobre as emendas, mas já indicam caminhos sobre o que deve ser feito. É preciso fazer as emendas entrarem dentro do planejamento orçamentário, do que já existe no Executivo. Um desses relatórios diz: “O Executivo não orienta o Legislativo sobre áreas prioritárias.” O Tribunal sugere que o Executivo apresente um banco de projetos de investimentos, que estariam aptos a receber recursos.

É mais ou menos isso que acontece nos EUA. Um dos projetos do deputado com o qual trabalhei visava reformar o hospital na sua base eleitoral. Para mandar o pedido para a comissão de orçamento, eu precisava, antes, saber se ele se encaixava em algum programa. Eu ligava para a comissão para tirar dúvidas, ela consultava o regramento, para saber o que estava disponível. Há uma conexão entre as emendas e as políticas públicas, para aumentar a eficiência da alocação de recursos.

Ainda no exemplo americano, que tem modelo parecido com o nosso, as comissões de Orçamento têm subdivisões temáticas. Tem comissão que vai analisar o setor de Educação, por exemplo. Reformar as nossas comissões de Orçamento no Congresso é uma outra proposta, para que se tenha uma análise temática das emendas parlamentares. Cada projeto de lei, por exemplo, passa por várias comissões. As emendas precisam ser analisadas dentro dessa ótica.

Na fiscalização, também estamos longe do ideal. Grande parte do que é fiscalizado acontece apenas pela imprensa, o que é importante, mas apenas os casos que chamam mais atenção acabam sendo explorados. Isso precisa ser feito de forma sistemática e independente pelo TCU. Hoje, acontece de forma esporádica e pontual.

E por que não se faz mais? Porque o Executivo precisa coordenar a disponibilização dos dados. Todos os recursos de emendas deveriam passar por um portal centralizado, para que esses dados possam ser acompanhados e auditados. O que temos hoje não é suficiente, não é só o gasto autorizado e pago, é o que de fato foi feito com o dinheiro.

O que mais me preocupa com o aumento do valor das emendas nos últimos anos não é o montante em si, porque, repito, considero que elas são importantes nessa papel de conexão com as bases eleitorais. O problema é o crescimento da despesa sem levar em consideração qualquer desses critérios: de planejamento de um todo, de monitoramento da execução e de fiscalização.

Um relatório do Ministério Público Federal mostrou que o governo federal não tem mecanismo eficaz de monitoramento, avaliação e controle desses recursos. Sou defensora do Legislativo, mas acho que as soluções não partirão do Congresso. É preciso que o Executivo, várias partes da burocracia federal, e a sociedade civil, encabecem uma mudança estrutural.

Do ponto de vista do Executivo, as reformas de 2015 e 2019, que tornaram algumas emendas impositivas, tiraram o seu poder de barganha e fortaleceram o Legislativo. No governo Bolsonaro, surgiu o orçamento secreto; agora o deputado Danilo Forte (União-CE) quer colocar um calendário de pagamentos e tenta criar um outro tipo de emenda. A cada ciclo orçamentário, estamos vendo novas ideias. Isso também é muito ruim.

Beatriz Rey é cientista política, pós-doutoranda na EACH-USP e pesquisadora da Fundação POPVOX, nos EUA

Meio termo na relação de forças

As emendas parlamentares cumprem um papel importante na relação entre o Executivo e o Legislativo e ajudam a enviar recursos para as bases eleitorais. Elas não são, em si, um problema. O que falta é melhorar os mecanismos de avaliação e fiscalização sobre esses recursos, que cresceram muito nos últimos anos.

No universo corporativo, existe o termo em inglês chamado “accountability”, que define esse conceito de transparência, prestação de contas e responsabilização. É isso que o país precisa buscar com os gastos das emendas parlamentares.

A melhora da fiscalização pode ser feita com o aprimoramento do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e dos tribunais de contas estaduais e municipais. Uma das formas de se aprimorar essa fiscalização é fazer sorteios, constantes e públicos, para se decidir de forma neutra que emendas serão fiscalizadas.

É preciso equilíbrio entre os planos de investimento do governo, as necessidades dos municípios e o conhecimento dos parlamentares

Essa prática precisa ser recorrente e constante, para que o parlamentar saiba que ele será cobrado sobre o destino dos recursos pelos quais brigou.

Há tipos de despesas nas quais já se sabe que podem ocorrer mais problemas e desvios, como tratores e ambulâncias, por exemplo. Em outras, como hospitais, unidades básicas de saúde, unidades de lazer em bairros pobres, é mais fácil que elas se enquadrem dentro dos planos das prefeituras e dos governos estaduais.

Bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, que já funcionam muitas vezes como intermediários no repasse dos recursos, já cumprem essa função de fiscalização e podem ter esses departamentos aprimorados.

O fortalecimento do Legislativo nesse processo, a meu ver, não é necessariamente ruim. Se hoje o controle sobre as emendas está muito mais com o Congresso, o que tem gerado críticas, antes esse controle estava totalmente nas mãos do Executivo, o que também provocava distorções. É preciso encontrar um meio termo nessa relação de forças.

Vivenciei as distorções do “modelo anterior” como secretário da Unidade Executora Fiscal da Prefeitura de Maceió, no estado de Alagoas, entre 2013 e 2016. Com poucos recursos para investir, precisávamos recorrer aos deputados e senadores do estado para conseguir viabilizar o nosso plano estratégico. Tudo era programado e dentro uma lógica de investimentos.

Mas a liberação de recursos — na época em que o poder estava concentrado no Executivo — dependia da relação que o parlamentar tinha com o governo federal, o que estimulava a troca de favores. O governo só liberava o dinheiro se recebesse uma compensação, por exemplo, os votos para a aprovação de um projeto de seu interesse.

A execução acabava sendo baixa. O orçamento era previsto, empenhado, mas não pago. Tudo dependia dessa relação política, o que também fugia à lógica econômica.

No Ministério da Fazenda, durante o governo Michel Temer, acompanhei, como subsecretário de Acompanhamento Fiscal, o outro lado do balcão. Por fazerem parte das despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos e custeio), as emendas acabam sendo bloqueadas quando há necessidade de melhorar os resultados primários.

Do ponto de vista do investimento, o parlamentar é capaz de saber o que seu estado e seu município precisam. Até mais do que o governo federal, porque ele está em visita frequente às suas bases e precisa prestar contas aos seus eleitores das suas ações.

O que o país precisa, no entanto, é encontrar esse equilíbrio, entre os planos de investimento do governo federal, as necessidades de quem está na ponta, nos municípios, e o conhecimento de deputados e senadores. E, acima de tudo, buscar o monitoramento de cada emenda, para medir os resultados de tudo que está sendo gasto.

Alexandre Manoel, sócio e economista-chefe da MZK Investimentos, trabalhou no Ipea, na prefeitura de Maceió e no Ministério da Fazenda

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