Voto ‘nem um nem outro’ é tendência em bairros ricos do Rio de Janeiro

As quatro amigas se encontram por acaso no Café Leblon, na esquina da avenida Ataulfo de Paiva com a rua General Venâncio Flores, endereço privilegiado no Rio de Janeiro. O encontro parece inusitado, embora o café fique nas cercanias de suas casas no bairro com o metro quadrado mais caro da cidade, de acordo com o índice FipeZap. Cumprimentos feitos, a disputa entre Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL) vira assunto das quatro senhoras.

Uma delas, frustrada com as opções do segundo turno, cobra o fim do voto obrigatório. As demais não tomam partido. Mas quando a pergunta é em quem vão votar na segunda rodada da eleição municipal, ouve-se em uníssono a palavra “nulo”.

Nenhuma delas topa falar formalmente do motivo pela rejeição aos candidatos, contudo, quando a possibilidade do anonimato se apresenta, revelam que a opção pelo voto nulo é porque não se sentem representadas nem por Crivella nem por Freixo.

“As abstenções vão ser maiores que no primeiro turno”, arrisca uma integrante do grupo, uma senhora na casa dos 60 anos vestida com roupa de ginástica.

Noutra mesa, dessa vez no bar Casa Clipper, na esquina da Ataulfo com a rua Carlos Góes, alguns metros à frente do Café Leblon, Freixo é apontado como “comunista” pelo engenheiro Leonardo, que não quis acrescentar sobrenome à sua indignação com o socialista. “No Freixo eu não voto nunca, porque eu não voto em quem veste vermelho”, afirma, anunciando que vai apertar a tecla branca da urna eletrônica no dia 30 de outubro.

As manifestações acaloradas entre um café e um chopp, num dos bairros mais ricos da capital fluminense, parecem indicar uma tendência: a elite carioca não pretende participar do segundo turno.

Outro sinal disso é a página do Facebook da Associação de Moradores do Leblon (Ama-Leblon), onde o segundo turno mereceu mensagem resignada defendendo “política sim, partido não” ante ao que foi definido como “a difícil missão de escolher entre as duas alternativas que restam”.

No perfil pessoal da presidente da entidade, a advogada Evelyn Rosenzweig, ela havia manifestado apoio no primeiro ao candidato derrotado Pedro Paulo (PMDB): “Sou 15”, afirmou em foto postada ao lado dele em 1º de outubro. A mensagem foi acompanhada por uma lista com 42 ações do atual prefeito Eduardo Paes, padrinho político de Pedro.

A recomendação da dirigente, contudo, não foi seguida pelos representados da Ama-Leblon. O tucano Carlos Osório foi o preferido dos moradores da região Gávea-Leblon no primeiro turno. Ele recebeu 26% dos votos válidos dos bairros vizinhos. Freixo ficou em segundo, com 22%.

Freixo reconhece, em entrevista a CartaCapital, que há um crescente sentimento de “nenhum nem outro” na elite carioca. “Há um porcentual muito grande no ‘ninguém’, no ‘nenhum nem outro'”, avalia. O psolista, contudo, mantém a esperança de virar votos de eleitores de Osório e Pedro Paulo na zona sul. No primeiro turno, brancos e nulos somaram 18,2% dos votos. O último Ibope aponta 21% para o segundo turno.”São esses votos que vamos buscar”, diz o candidato.

Travessia
O trajeto entre as zonas sul e norte percorrido pela reportagem de CartaCapital foi ao lado do ex-técnico em eletrônica Heli Assunção de Carvalho, de 54 anos, que trocou as ferramentas pelo volante de um táxi no Rio Janeiro há um ano e meio.

Morador de Brás de Pina, na zona norte carioca, onde Freixo teve uma baixa votação no primeiro turno, Heli conta que a mudança de profissão o levou a votar em Pedro Paulo (PMDB) na primeira rodada eleitoral. Ele argumenta que promessa do peemedebista de regularizar o aplicativo de transporte para encerrar a disputa desleal com o táxi.

O peemedebista ficou fora do segundo turno e Heli entrou em dúvida entre o senador Marcelo Crivella (PRB) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL). A dúvida terminou quando recebeu um áudio no grupo de WhatsApp de taxistas do qual participa: um homem imitando a voz de Freixo criticava a categoria e defendia o Uber. Heli decidiu, então, que votaria em Crivella.

Freixo soube que o áudio se espalhava feito rastilho de pólvora entre os cerca de 35 mil taxistas cariocas. Ele convocou representantes do sindicato da categoria e gravou um vídeo desmentindo o áudio falso e se comprometendo a fazer “um debate responsável” e a não tomar “nenhuma medida contra os taxistas”. Heli recebeu o vídeo na última terça-feira 11 e decidiu atrás: vai acompanhar os dois filhos universitários e voltar em Freixo.

Subúrbio
Na zona norte do Rio, o cenário é o oposto do Leblon. No bairro de Madureira, conhecido como “berço do samba” por abrigar escolas como Portela e Império Serrano, a comerciante Kátia Fernandes, de 46 anos, conta que votou em Pedro Paulo (PMDB) no primeiro turno.

A escolha se baseou no Parque Madureira, inaugurado em 2012 pelo prefeito Eduardo Paes, padrinho político de Pedro. A área de 135 mil metros quadrados é o respiro recreativo numa carente região carioca distante da beleza cênica da zona sul.

Animada enquanto serve as mesas de seu bar, o Ki-Show, na Estrada da Portela, ao lado da escola de samba, Kátia se diz decidida agora a votar em Freixo depois de saber que ele pretende manter a Feira das Yabás. Todo segundo domingo do mês, a feira atrai visitantes com pratos típicos da culinária africana. “A feira é importante para o bairro e se ele vai manter, voto nele”, diz.

Freixo realizou comício na praça em frente ao bar de Kátia na quarta-feira 12 e, em sintonia com o anseio da comerciante, anunciou que se eleito pretende reforçar a feira gastronômica. “A Feira das Yabás vai continuar, vai ser incentivada e será ampliada, porque Madureira é um bairro de forte cultura negra que precisa ser valorizada”, discursou.

A presença do psolista mexeu também com a ex-professora de educação física e hoje empregada do metrô do Rio, Rita de Cassia de Oliveira Serra, de 53 anos. “Não sei por que, mas na hora (da votação em primeiro turno) votei no Índio  (da Costa, PSD). Mas agora vou votar no Freixo, porque ele é professor como eu fui”, diz.

Fonte: Carta Capital

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